July 2013

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Money, Money, Money

Posted on Wednesday, July 3, 2013

Por Marcel R. Goto

Resumo da história: em março de 2012, Tim Schafer, co-roteirista dos primeiros Monkey Island, criador de Full Throttle e Grim Fandango, nota a emegência do crowdfunding como método de financiamento para jogos, e pede uma graninha para criar algo novo no estilo daqueles títulos clássicos da Lucasarts.

Pouca coisa, US$400 mil. Seria um jogo relativamente simples, provavelmente feito em Flash, pelo seu estúdio atual, o Double Fine.

Um mês depois, ele havia arrecadado US$3.3 milhões, mais de oito vezes o valor original e a maior quantia até então no Kickstarter, e provado definitivamente a viabilidade do crowdfunding para gêneros esquecidos, considerados nicho demais pelas publishers, e ideias ousadas demais para o conservadorismo dos grandes investidores.

E, ontem, o mesmo Schafer avisa: o dinheiro não ia dar pra terminar o jogo, agora intitulado Broken Age. Ele terá que investir recursos próprios, além de apelar para pré-vendas.

Vejamos: ele recebe oito vezes o valor que havia pedido, e no meio da produção descobre que não é o suficiente?

O Twitter e a web ainda estão fervendo com a reação do público. Muitos dizem que, do mesmo modo como havia inaugurado a era do crowdfunding na indústria de games, Schafer agora a tinha encerrado, acabando com a sua credibilidade.

Eu tenho uma visão bastante diferente: um problema como esse ia acontecer mais cedo ou mais tarde. É melhor (ou menos pior) que aconteça nas mãos de alguém como Schafer, que tem recursos, experiência e responsabilidade para manobrar aqui e ali e impedir que essa falta de planejamento se transforme num escândalo de verdade, que abale de verdade a viabilidade do crowdfunding para jogos. Em outras palavras: apesar dos imprevisots, ele tem condições para garantir que Broken Age seja lançado.

Meu argumento é o seguinte: problemas de organização e planejamento acontecem o tempo todo, em qualquer tipo de projeto. Eles só não são divulgados para o público. No caso do modelo tradicional da indústria de games, essas informações ficam entre o estúdio responsável pela produção e o seu investidor, o publisher.

O crowdfunding não muda só a fonte do dinheiro, ele muda também a própria natureza da produção.

O investidor não é mais um executivo esperando os lucros do próximo Call of Duty, são dezenas de milhares de jogadores apaixonados pelo seu hobby, que querem muito conhecer e jogar o que, até o momento, é só uma ideia na cabeça de meia dúzia de designers e programadores ligeiramente idealistas. Querem isso a ponto de abrir a carteira para investir num jogo que ainda pode demorar mais de um ano para ser lançado, se for mesmo lançado.

É necessário fazer essa distinção: o crowdfunding não é a pré-venda de um jogo. É pouco mais que uma doação, e pouco menos que um investimento. Doação, porque em muitos casos você pode dar uma quantia baixa para o projeto, um ou dois dólares, sem ter nada em troca, nem sequer o próprio jogo, uma vez pronto. E também não é um investimento no sentido financeiro, porque mesmo caso o jogo seja bem-sucedido, você não recebe uma parcela dos lucros. Na melhor das circunstâncias, você recebe uma cópia de um jogo muito legal, e vai dormir mais leve, sabendo que ajudou a torná-lo realidade.

E também há o aspecto da liberdade criativa. Pessoas criativas frequentemente precisam ser mantidas na linha por um editor ou um gerente de projeto. Uma vez livres das amarras do modelo dos publishers, em que se é obrigado a cumprir metas regularmente, era fatal que mais cedo ou mais tarde sairia dos trilhos um projeto bancado por crowdfunding, onde o foco é principalmente agradar aos jogadores e aos instintos criativos dos próprios criadores.

E, enfim, há o caso específico deste projeto de Schafer. Adaptando o Tio Ben, "Com muita grana, vem muita expectativa". Schafer dificilmente poderia ter seguido em frente, tendo três milhões em mãos, com a mesma ideia que tinha na cabeça para quatrocentos mil dólares. Ele certamente sentiu, corretamente, que precisava fazer jus à confiança, tanto quanto ao dinheiro, investidos nele.

Então, assim como o investimento entregue pela comunidade foi oito vezes maior do que o pedido, Broken Age muito provavelmente é um jogo oito vezes maior, em termos de visão, de ambição criativa, do que o originalmente planejado. Do mesmo modo, os problemas e imprevistos num projeto dessa dimensão não são desprezíveis. Como eu disse antes, a diferença é que agora eles são públicos.

Mas o jogo certamente vai ser lançado, e eu acredito que vá ser um grande momento para indústria de jogos.

Tim Schafer não matou o crowdfunding. Outros problemas como este vão acontecer, e certamente vão acontecer coisas piores. A diferença é que, agora, as pessoas estão devidamente avisadas. É necessário que os próximos projetos apresentados no Kickstarter e outros sites do tipo sejam melhor detalhados, e que seu desenvolvimento seja acompanhado mais de perto. Mais trabalho para os jornalistas.

O que aconteceu é que, ontem, o crowdfunding na indústria de games amadureceu mais um pouco.