4

Gardenal.org: foi assim que aconteceu

Posted on Wednesday, March 20, 2013


Por Pablo Miyazawa

It was 10 years ago today.

Não foi, na verdade foi anteontem, mas o que vale é a intenção. Em 18 de março de 2003, entrou no ar a primeira versão do Gardenal.org. Nem me lembro se o domínio já era esse, mas a ideia existia desde então: uma comunidade de blogs de amigos, baseada no conceito da “filantropia digital”.

É engraçado pensar que essa história jamais foi contada, ainda que não seja de interesse de ninguém, além dos envolvidos. Mas aproveito a data histórica para relembrar um tempo em que certamente éramos mais inocentes, mas não menos ambiciosos – provavelmente, nos faltou comprometimento e uma dose de atitude. Mas sobre isso explico logo mais.

A chama inicial partiu do meu amigo e entrepreneur Bruno Furnari. Estudamos juntos na PUC e compartilhávamos ideias e gostos musicais semelhantes (o jornalismo, apesar de ser a carreira optada pelos dois, jamais entrou nas conversas). O Furnari já estava há tempos distante do jornalismo tradicional. E eu estava metido em uma modalidade pouco convencional da profissão – o jornalismo infanto-juvenil. Não possuíamos pretensões jornalísticas semelhantes. Queríamos sim, montar bandas imaginárias, maquinar projetos malucos ou coisas para fazermos em parceria no tempo livre. Numa dessas conversas com lampejos de brainstorm, via ICQ, surgiu o Gardenal.org.



Furnari falou: “Você conhece um monte de malucos que tem blog. Você tem o seu, eu tenho o meu. Porque não convidamos esses caras para se hospedar conosco?”. As palavras talvez não tenham sido essas, mas foram bem parecidas. A ideia era pagar um servidor e hospedar os blogs dos conhecidos que tinham algo a dizer. Nós pagaríamos, e portanto poderíamos escolher quem convidar. Não entraria qualquer um, apenas quem “merecesse” de alguma forma, ou combinasse com a proposta. Afinal, estávamos fazendo aquilo tanto para nós mesmos quanto para os outros. O conceito da “filantropia digital” deve ter vindo logo em seguida. Estaríamos fazendo algum bem para as pessoas, a um baixo custo (pelo menos para nós): R$ 30 por mês, divididos entre os “donos”, mais o tempo gasto para convidar novos membros, criar layouts a partir de um template simples e cuidar de eventuais perrengues tecnológicos (e eles existiram, aos montes). Mesmo assim, parecia barato e bacana de se fazer. Na verdade, era como se precisássemos fazer – isso em uma época em que a boa reputação digital era algo que não era tão almejado (não havia redes sociais) ou era privilégio de pouquíssimos.

Na época, eu cheguei a escrever em um blog meu:

“… se você for uma pessoa legal, será convidado a visitar a comunidade virtual que estamos bolando. Filantropia Digital, se não é um slogan, é um bom pretexto para gastar dinheiro e não esperar retorno. Logo mais tem mais detalhes.”

Uma semana antes, eu já havia dado outra pista. Mas talvez eu nem soubesse ainda do que estava falando. Não me lembro.

“Mil pessoas novas, cheias de opiniões, pontos de vista, textos inteligentes, experiências desconhecidas, procedências idem, que nunca (ou pouco) vi em pessoa, mas existem na virtualidade. 

O que fazer com tanta gente? 
Chamar pra uma festa pode ser uma.”

A intenção que jamais admitimos era a de organizar uma festa e consequentemente se dispor a entreter todo mundo (ou pelo menos começar uma boa brincadeira). Convidamos mais um sócio, o Alberto Alerigi Jr., também amigo da PUC, que sabíamos que iria abraçar a causa na hora (e topar dividir o trabalho). Inventamos pseudônimos ridículos, para manter o mistério (Senhor Bonzinho, Senhor Afável e Senhor Simpático). Começou já trabalhoso. Convidei todos que sabia que tinham blog. E instiguei outros a começar. Convidamos o Ubiratan Leal, colega da PUC, que começou a escrever sobre futebol no Balípodo. Avisei o Alexandre Matias, que havia trabalhado comigo na Conrad, que trouxe o Trabalho Sujo. Não demorou para o próprio Matias buscar mais gente lá do Rio de Janeiro: a Lia Amâncio (Lounge), o Bruno Natal (Urbe), e, mais tarde, o Arnaldo Branco (Mau Humor). O Marca Diabo surgiu do nada, ou melhor, de Florianópolis. O Alexandre Inagaki veio em outra leva, com o Pensar Enlouquece dele, e trouxe gente a tiracolo. Acho que foi ele quem me escreveu (ou será que foi o contrário?). O Cleiton Campos, o Rogerio Motoda, o Renato Siqueira, o Artur Rodrigues, meu parceiro aqui Marcel R. Goto e o próprio Alberto, todos começaram blogs pra valer. Eu dei continuidade ao meu Pablog. E havia uma cereja no bolo, que talvez tenha sido o principal motivo pelo qual achamos que a empreitada traria algum resultado diferente: um blog feito por três meninas chamado Garotas que Dizem Ni.

O Garotas talvez fosse o produto mais bem resolvido daquele início de Gardenal.org. Vivi Agostinho, Flávia Pegorin e Clarissa Passos se alternavam nas crônicas, uma por dia, e colecionavam novos fãs tão rápido quanto produziam textos de efeito. O blog saltou para o mainstream e ganhou a mídia tradicional, na forma de uma coluna em uma revista semanal e, posteriomente, um livro. Assim como muita gente, elas continuaram firmes mesmo após o fim do Gardenal. Durou até 2008.

Com certeza estou me esquecendo de muita gente que entrou com o passar dos anos: Ovelha Elétrica (Mateus Reis), B*Scene (Katia Abreu, Bárbara Lopes), Homem Grilo (Cadu Simões), Rock em Geral (Marcos Bragatto), Jornalista de Merda (André Pugliesi), Homem-Chavão (Pedro Valente, Patrick Cruz...), Churrasco Grego (Tércio Silveira, Luiz Pattoli...), Ed Ondo (Ed Lascar), Ressaca Moral (Vladimir Cunha, Doda Vilhena...), Mario AV, Marcelo Barbão, Mariana Bandarra, Marcelo Forlani, Juliano Barreto… (e com certeza acabei de ser injusto com muitos outros.) Era muito para se administrar. Chegamos a ter uns 60 sites pendurados ao mesmo tempo. E isso porque acabamos dispensando ou recusando um monte de gente boa (teve um que se deu muito bem nessa, aliás), por absoluta falta de braço (e espaço) para lidar. No meio de tudo, decidimos ajudar a bancar o projeto vendendo camisetas (parecia uma ótima ideia na época). Criamos uma estampa do logotipo e anunciamos para vender ali mesmo, na home do coletivo. Vendemos um monte, e isso até nos encorajou a investir mais dinheiro e tempo em novas estampas, que continuamos produzindo durante meses. Aliás, todo o encalhe daquela época está empilhado em um armário aqui de casa. Alguém se interessa?

Nosso esforço era pequeno, mas gigante se comparado a nossa absoluta falta de tempo livre. Criamos uma home chique e pensávamos sempre em como divulgar melhor cada blog. Ele funcionava sozinho, cada um fazendo seu pequeno negócio. Até que saímos na imprensa. Nos grandes jornais e em citações rápidas em revistas. Algumas matérias tinham até foto. Sem perceber, estávamos na crista da onda dos coletivos de blogs, que, de acordo com as pautas da época, tentavam se desvencilhar dos serviços tradicionais proporcionados por grandes corporações. No nosso caso, não era nada disso. Só queríamos fazer parte de algo legal que pudesse contribuir para cada usuário, de uma maneira ou outra. Nem estávamos preocupados com quantidade de visitantes, ou marketing promocional. Não queríamos que o negócio ficasse enorme, mas também não queríamos nos esconder. Que o negócio existisse sozinho, e que cada participante pudesse ter um pouco de prazer no processo. 

“É pra ser legal”, dizíamos nas reuniões de sexta-feira, em bares ou restaurantes, sem nenhuma formalidade ou organização. O Gardenal.org não era um business. Não achávamos que havia maneira de ficar rico com aquilo. A ideia de vender o Gardenal só nos parecia viável se o interessado fosse um grande portal de notícias (o conceito de “investidores” na época inexistia para nós). Só que jamais nos esforçamos um único segundo para tirar um único centavo do negócio – exceto pelas camisetas, que enxergávamos como uma possível mina de ouro (não era).

E os problemas técnicos, causados por nossa ingenuidade, ou confiança (ou azar puro), foram minando o senso de tranquilidade que queríamos que rondasse o Gardenal.org. Não foi uma nem duas vezes que tivemos problemas com o servidor que hospedava o site (e todos os blogs de todo mundo). Quando perdemos tudo pela primeira vez, a história foi engraçada de tão trágica: os funcionários da empresa norte-americana de servidores se rebelaram e trancaram o escritório, tirando do ar todos os sites que hospedavam. Mais tarde, descobrimos que eles haviam apagado tudo. E nós, que jamais encorajamos o backup aos amigos, tivemos de explicar a cada um que o conteúdo estava perdido. Por meses a fio, esperamos pela recuperação dos dados (que para nosso desespero, jamais aconteceu).

A maioria entendeu a crise e começou de novo. Para muitos aquilo era só um blog para passar o tempo; para outros, era um projeto sério, praticamente um trabalho. Para esses em específico, recomeçar foi dolorido. Confesso que na época não compreendia totalmente o apego a um blog, mas fui percebendo o quão arriscado é se tornar responsável por algo que tomava tanto o tempo e a dedicação das pessoas. Infelizmente, era um projeto de risco, em que não podíamos prometer para os parceiros mais do que cuidado e uma mínima dedicação. Também jamais pensamos em passar o chapéu, porque tiraria o sentido de nossa motivação inicial. E também não estávamos dispostos a largar nossos empregos para cuidar apenas do Gardenal, porque não havia nenhuma perspectiva que aquilo se tornasse mais do que já era – simplesmente um coletivo de blogs legais e ponto final.

Até chegamos a pensar em um livro. Foi quando não me conformei com o fato de termos juntado tanta gente boa e diferente em um lugar só e deixar por isso mesmo. Senti a necessidade de retirar aquilo do meio digital e transportar para o físico. Também parecia a ideia óbvia na época: uma boa realização virtual precisaria de uma transposição para o mundo real para se provar realmente digna. Talvez se o Gardenal existisse ainda hoje, eu continuaria pensando dessa forma.

[Aliás, a ideia do nome, Gardenal, também veio do mesmo brainstorm inicial via ICQ: era apenas um nome engraçado que parecia melhor que outras sugestões rídiculas. Não, nenhum de nós jamais tomou gardenal na vida, que eu saiba.]

Muitos blogs foram abandonados e esquecidos com o tempo, à medida em que a infraestrutura do Gardenal.org minguava. Alguns blogs saíram para novos ares, melhor aparelhados. Muitos resistiram até o fim, quando desistimos de prosseguir em definitivo, uns anos depois (confesso que não me lembro a data exata). Vários fatores contribuíram para isso, que prefiro não redescobrir agora. O fato é que acabou quando não nos fazia mais sentido continuar. Deve ter havido razões bem fortes, porque foi o que imperou naquela hora. Paramos de brincar de filantropia digital assim como começamos: sem pretensão, com intenções cinzentas e um tanto de desapego. Foi melhor assim.

Passaram os anos, e esquecemos que o Gardenal existiu. A internet também. Há poucas pistas e referências – salvo citações de velhos parceiros que continuam firmes nesse negócio de blogar. Há quem se lembre vagamente de ter visitado alguma página nossa em 2003 ou 2004, o que sempre me orgulha ao saber. Mas tudo ficou tão para trás que também nos esquecemos de renovar o domínio. Eis que alguém o comprou e o transformou em um site de jardinagem (!). Hoje, está abandonado também e não parece que vai voltar. 

Confesso que pensei em tentar comprar o Gardenal.org de volta. Para quê, não faço ideia. Talvez seja para evocar um tempo em que tudo era menos complicado, mais orgânico e bem menos ambicioso. E também para relembrar de uma época nem tão distante, em que a simples ideia de bancar uma festa para os amigos nos parecia algo tão importante. Agora, vejo como era mesmo.

Discussion

  1. Por enquanto só posso dizer: jovem também tem saudades. É vero?

    ReplyDelete
  2. Porra, Pablo! Viajei no tempo com esse post. Queria, aliás, poder reler o que escrevemos HÁ DEZ ANOS! O Homem-Chavão era maravilhoso, lembro e falo até hoje da teoria deles para os filmes do Tom Cruise... Belo post. Boas lembranças.

    ReplyDelete
  3. Nunca fui um blogueiro sério tanto que nem me lembro do nome ou do conteúdo do meu blog no Gardenal. O que sei é que comecei a participar dessa história lá no comecinho, devia ser final de 2003 e começo de 2004. Mas fiquei por pouco tempo. Regularidade não é um dos meus fortes e um blog que fica abandonado por muito tempo não ganha o respeito de ninguém. Mas é bom recuperar a história.

    ReplyDelete
  4. Por causa de vocês é que eu sempre vou ser uma Garota que Disse Ni. Obrigada, Senhor Simpático!

    ReplyDelete