O Otaku é o Primo Nerd do Nerd
Posted on Wednesday, February 20, 2013
Por Marcel R. Goto
Enquanto consumidor dessa enorme e ligeiramente amorfa
intersecção entre mangá, animes, games, produtos derivados e cultura japonesa
em geral, ser otaku é uma experiência bem mais completa e imersiva do que ser o
clássico nerd ocidental.
Pra começar, porque existe muito mais *coisa* para se conhecer
e consumir nesse universo. Não só existem muito mais mangás do que gibis de
super-herois, por exemplo, como também existem muito mais produtos derivados em
indústrias fortemente interconectadas. Frequentemente o mangá se torna anime, e
você passa a acompanhar o artista que criou o mangá, e também o estúdio, o
diretor e os animadores do desenho, mais os músicos que compõem a trilha sonora.
O mercado de brinquedos, bonecos, modelos, miniaturas, é enorme. Com a ascensão
de fóruns como 2chan, seu equivalente ocidental, o 4chan, sites como pixiv,
niconico, etc, surgiu uma cultura online tipicamente otaku.
A definição de nerd e de otaku tem duas dimensões: a da
atração por um conteúdo (genericamente, obras de ficção, mas também música,
tecnologia, veículos, equipamentos militares, etc) e, simetricamente, a da
alienação social. Nessa segunda dimensão, também, o otaku é um “supernerd”. O
fator cultural é indispensável para entender isso: as pressões sobre o
indivíduo são muito maiores na sociedade japonesa do que na brasileira ou
norte-americana; consequentemente, a necessidade e o desejo por uma válvula de
escape também são maiores. Consequentemente, as obras que servem como
válvula de escape nesse contexto são mais imersivas, mais imediatamente
atraentes e fáceis de consumir e digerir. Na maioria dos casos, essa válvula de
escape se encaixa nos espaços entre as obrigações de alguém e a sua vida
pessoal. É a popular imagem do estudante ou do trabalhador lendo um mangá no
trem. Mas, no extremo, o que devia ser válvula de escape para o stress e as
frustrações do dia-a-dia se torna um componente da fuga da própria vida. Assim,
a imagem original do otaku implica desajustamento, uma dedicação
desproporcional ao seu hobby. E o otaku muitas vezes se confunde com o NEET
(pessoa que não estuda nem trabalha) e o hikikomori (indivíduo completamente
isolado socialmente), outras figuras tipicamente japonesas. Uma quantidade
crescente de pessoas não resiste à rigidez de normas e de imposições dessa
sociedade, e se afasta dela como pode. Cabe lembrar também o alto índice de
suicídios no Japão.
Mas, mesmo deixando de lado os extremos claramente
problemáticos, o estigma social que acompanha os otaku parece ser maior e mais
resistente do que o dos nerds. Desde os anos 90, a “nerdice”, enquanto o gosto
por games, tecnologia, livros de fantasia, gibis e desenhos atuais e antigos, vem ganhando aceitação. A transformação da
economia, graças à informática e à Internet, ajudou isso. Bill Gates e outros
empreendedores do Vale do Silício ajudaram nisso. A onda de filmes baseados em
super-herois e livros infanto-juvenis ajudou nisso. Entre outras coisas, ser
nerd se tornou quase sinônimo de ter intimidade e desenvoltura neste mundo
novo, de ser alguém que não só entende o que se passa, como também para quem as
novas e promissoras carreiras foram criadas. (Infelizmente, claro, nem tudo
isso é verdade.)
E o otaku? Desde que a expressão
começou a circular no ocidente, no Brasil, talvez 15 anos atrás, pouca coisa
mudou. Mangás e animes ganharam um certo espaço na cultura popular, mas
continuam sendo nicho. As suas convenções narrativas, as suas sutilezas, as
suas particularidades culturais e históricas continuam encontrando dificuldade
em serem absorvidas, assimiladas. Duas evidências disso: leiam qualquer resenha
de um novo bom mangá ou de um filme de Miyazaki ou Mamoru Oshii na grande
mídia. A imprensa geral não tem instrumentos, vocabulário, conhecimento para
analisar estas obras além de seus aspectos mais superficiais. Compare essa
cobertura pobre com a de um filme como Watchmen ou The Matrix, onde não só a
obra em si é analisada, mas há conteúdo cultural, político e filosófico nas
críticas.
A segunda evidência são as
dificuldades que Hollywood vem enfrentando para adaptar mangás e animes para o
cinema. Ou as obras ficam presas num ciclo infindável de negociações e roteiros
sendo escritos e reescritos sem nunca satisfazerem a ninguém, casos de
Evangelion, Akira, Battle Angel Alita, Cowboy Bebop, ou, quando saem do papel,
não chamam a atenção, ou são adaptações simplesmente equivocadas em todos os
níveis. Speed Racer e Astroboy se encaixam no primeiro caso. Dragonball
Evolution, no segundo. Assim, na mesma proporção em que comics e livros de
ficção popularizam-se como fontes de material para filmes, o entusiasmo por
usar também as obra japonesas, que parecia tão grande e óbvio, esfriou consideravelmente
nos últimos anos.
Por causa disso, mais o fato de
que boa parte das características que definem o otaku definem igualmente, e com
menor preconceito, o nerd, o estigma sobre o rótulo de “otaku” continua forte...
inclusive entre eles mesmos. E isso faz com que as definições flutuem: otaku é
qualquer um com grande interesse por mangás e animes, na definição mais
positiva. Na definição mais negativa, é somente a pessoa que mergulha nessa rede de
subculturas tão profundamente a ponto de ignorar convenções sociais e se diferenciar claramente
das “pessoas comuns”: fazendo cosplay fora dos eventos, incorporando expressões
em japonês ao vocabulário. E em qualquer definição, certamente é também a pessoa que,
além de ter as características acima, se diferencia das demais pela clara falta
de habilidade social, mesmo entre outros nerds/otaku.
Enfim, diferente da expressão
“nerd”, “otaku” não tem a seu favor uma quantidade de mudanças profundas no
zeitgeist, na economia, no panorama da grande indústria cultural. Ser “otaku” é
algo positivo para metade das pessoas que se encaixariam numa definição
razoável, e negativo para a outra metade, que não só rejeitam e afastam de si o
rótulo, como atribuem a ele mais uma série de defeitos e vícios. Aliás, no ocidente, a definição
mais negativa de otaku é usada justamente por quem se encaixaria numa definição
mais neutra, com o objetivo de separar um certo tipo de fã da cultura pop
japonesa de outro.
Particularmente, sou indiferente a rótulos, mas acho que qualquer que seja a definição usada, como uma comunidade, eles têm muitas qualidades que simplesmente não são reconhecidas, e são acusados de coisas pelas quais simplesmente não têm culpa.
No próximo post, vou apresentar a minha defesa dos otaku.
No próximo post, vou apresentar a minha defesa dos otaku.
Será que pouca coisa mudou? Quando estava no ginásio, tentava fazer minhas amigas gostarem de anime e mangá, como se isso fosse uma espécie de seita secreta. Comprava as revistas e ficava olhando com admiração os animes que passavam do outro lado do mundo e eu provavelmente nunca assistiria. Via também as matérias sobre eventos de anime, com algumas dezenas de pessoas e uma foto que reunia todos os cosplayers presentes.
ReplyDeleteHoje em dia, na faculdade, muita gente vem me falar "nossa, que legal, você lê esse mangá!" e mesmo quem não é fã dessas coisas japonesas não nos trata como se fôssemos "párias da sociedade". Posso assistir os animes que estão passando no Japão agora com apenas um clique. (não que isso seja uma mudança da sociedade em si) E, principalmente, parei de ir em eventos de anime porque prezo ter espaço pra respirar =p