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Os brinquedos de hoje não servem para esta criança de ontem

Posted on Saturday, March 2, 2013

Por Pablo Miyazawa

E a sensação ruim que tive ao entrar em uma loja de brinquedos?

Vivia dentro delas nos anos 80. Continuei a frequentá-las nos anos 90. E nos anos 2000, quando me aperfeiçoei na fina arte das lojas internacionais, tornei-me quase um colecionador de tranqueiras.

Mas passou. Como tudo passa. Eu mudei, mas as lojas de brinquedos também.

Se eu fosse um moleque de 8 anos hoje, estaria bem ocupado. A internet existe, os smartphones são mais versáteis, os videogames são tão viciantes quanto úteis. E nenhum desses itens são vendidos em lojas de brinquedos – eles estão mais para lojas de eletrodomésticos. Uma Apple Store pode ser tão interessante para um adolescente quanto a uma visita a Toys “R” Us. A culpa seria dos brinquedos, que não evoluíram. Então me permito concluir que os brinquedos regrediram – pelo menos aqueles que eu conhecia e ainda persistem nas prateleiras.
Andava pelo shopping dia desses com meia hora para matar antes do cinema. Entrei na maior loja de brinquedos do local, disposto a gastar algum dinheiro em uma bobagem qualquer. Alguma coisa que me deixasse diferente. Só para eu me sentir como a gente se sente ao gastar dinheiro em uma bobagem. Ou seja, muito bem.

A prateleira de jogos de tabuleiro foi a que primeiro causou depressão. Cresci entendendo o mundo através dos jogos da Estrela e da Grow. Percebi o poder do blefe com o Detetive, e seu lindo tabuleiro em couro e linguagem retrô (já na época). Passei medo sozinho em partidas tensas de Scotland Yard. Cheguei ao cúmulo de planejar escrever novos casos para enviar para o fabricante. Escrevi uma carta e ganhei resposta escrita à mão, algo inacreditável para os dias de hoje. Testei amizades com partidas infinitas de War e comprovei minha sorte com dados amarelos em momentos de pressão. Senti o prazer adulto de me tornar um magnata, mesmo começando a carreira como um jornalista no Jogo da Vida. Já naquela época vivia essa ilusão. E posso falar um pouco sobre cada um dos outros – Interpol (que ensinava a utilizar o transporte público com inteligência), Leilão de Arte (classudo, me fez identificar pintores pelos quadros), Senha (melhor jogo de raciocínio e rivalidade desde o xadrez), Lig 4 (curtia o estilo do tabuleiro na vertical), Supremacia (nunca aprendi a jogar, mas adorava aqueles cogumelos em miniatura), Banco Imobiliário (uma roubalheira sem fim, mas ensinou os nomes das ruas e avenidas. Lembro a alegria de passar pela famosa Avenida Nossa Senhora de Copacabana pela primeira vez).

A lista é imensa. Posso citar o Aquaplay? O telefone Merlin? O Jogo da Operação?

Na loja de brinquedos do hoje em dia, a maioria desses jogos nem existe. E aqueles que sobreviveram, estão atualizados e, consequentemente, irreconhecíveis. As adições de modernidades tiram o charme. Cartão de crédito e débito no Banco Imobiliário depõe contra o sentido da coisa – se não tem dinheiro vivo para comprar, então não pode comprar, simples assim. Também acho que os projetos gráficos modernos, cheios de brilhos e texturas, inspirados na linguagem de desenhos animados, estragaram a essência classuda desses produtos. A lógica me parece clara: brincar com esses jogos com cara de adulto nos fazia sentir mais velhos, mesmo eles sendo indicados para crianças. E quando se é criança, tudo o que queremos é nos sentir crescidos de vez em quando.

Eu especialmente vibrava quando percebia algum adulto se divertindo genuinamente nessas partidas – era como conceder a ele uma fresta de entrada ao nosso santuário infantil secreto.

(UPDATE: E como eu poderia imaginar que o Banco Imobiliário se tornaria assunto novamente? Pelos motivos errados, é claro.)
Action figures, ou “hominhos” sempre fizeram parte do imaginário de um moleque, apesar de há menos tempo que as bonecas. Brincar com personagens de ação sempre foi a melhor maneira de reproduzir no chão da sala as cenas tanto assistidas na TV e no cinema. No caso dos Playmobils, as histórias eram criadas inteiras na cabeça. Meu enredo recorrente se tratava de uma viagem em que o grande problema era arrumar a bagagem para guardar na van (uma ambulância detonada e sem adesivos). Passava horas organizando malas, caixas e objetos, para então embarcar os passageiros e partir. Quando o carro chegava ao “destino”, a brincadeira acabava. Eu simplesmente não sabia para onde ir além disso.

Devo estar desconectado dos desenhos animados que os meninos gostam hoje, porque não reconheci nenhum dos bonequinhos à venda. Achei ridiculamente caros, coloridos demais, muito grandes, mais apropriados para colocar na estante do que para participar de um combate com o Falcon no tapete. Aliás, as últimas guerras em que os Estados Unidos se meteram acabaram com a graça dos hominhos  com arminhas. Colecionar Comandos em Ação era legal simplesmente porque sim: eles tinham uniformes diferentes, apetrechos diversos, fichas técnicas. Brincar com eles nem tinha tanta graça, só equipá-los já valia a pena. Diferente dos soldadinhos de plástico verde. Esses sim davam conta da ação. Quantas trincheiras abri diante da porta do meu avô, que achava que encontraríamos um cano de esgoto na escavação (eu torcia para acontecer, mas nunca deu certo).

Também não vi armas de mentira à venda, mas até aí entendo a proibição. Fico pensando que não faz muito tempo que era possível comprar todo tipo de imitação na DB Brinquedos, revólveres, metralhadoras, pistolas. Era uma época em que ainda se fumava em elevadores e se andava de carro sem cinto de segurança. Lembro quando usei o dinheiro do presente de Natal para adquirir um verdadeiro arsenal de plástico, entre eles uma réplica de uma metralhadora UZI, exibida em Rambo 3. A minha UZI espirrava água, claro. Nem sei como minha mãe, tão pacifista, deixou eu gastar cruzeiros naquilo. Ah, os anos 80.

Meu tempo livre acabou. Ainda vi pelúcias a rodo, de todos os animais da Arca, não apenas ursos e cachorrinhos. Brinquedos eletrônicos que falam e aprendem, não só piscam luzinhas. Bonecas que só faltam sair do berço, abrir a geladeira e pegar uma cerveja. Carrinhos motorizados tamanho-família. Muito barulho, brilhos e cores sem sentido. Caos. Antes de sair da loja, de mãos vazias, ainda deu tempo de procurar os objetos de desejo que nunca tive, aqueles automóveis controlados por rádio – o Maximus, o Pegasus, o Colossus, o Stratus (todus terminadus com us). Não havia nada parecido ali. O Ferrorama, o brinquedo mais espalhafatoso, ambicioso e sem sentido de todos, voltou, mas em uma versão capenga. E cadê o coitado do Autorama? Deve estar no mesmo lugar onde estão escondidos nossos atuais campeões de Fórmula 1. 

Há uns meses, a Estrela inaugurou uma plataforma digital para manter-se relevante e atual no contexto infantil. Recentemente, a Grow entrou na mesma onda. É a certeza do fim de tempos que não voltam mesmo. Com tanta facilidade, modernidade, recursos, qual é hoje a graça de se disputar uma modorrenta partida de War à moda antiga, com seis pessoas impacientes ao redor de um tabuleiro? Minhas lembranças dizem que ela existe e compensa as horas investidas.

Por via das dúvidas, meu tabuleiro continua bem guardado, as cartas e pecinhas organizadas. Só me falta uma chance.

Discussion

  1. Acho que de todos os brinquedos, o mais bizarro era o Ferrorama. Faltava espaço para montá-lo e não dava para deixá-lo montado no chão do quarto. Resultado: montava-se uma vez, brincava-se até acabar a pilha (tinha pilha?) da máquina principal e tudo voltava para a caixa. Acho que até guardar era e é um problema. Aquilo ocupava muito espaço. Então, o jeito era empurrá-lo pra debaixo da cama e deixá-lo lá tomando pó. Confesso que me causava arrepios ter que participar da montagem. Tinha que ter disposição e sempre havia algo mais "importante" a fazer. Confesso, hoje, que devo ter deixado passar alguns momentos de alegria e felicidade possíveis. Os anos oitenta foram bizarros!

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  2. Sempre achei que o lance mais legal do ferrorama era montar uma cidade ao seu redor. Descolar aqueles cavalos, arbustos e dinossauros (!) de plástico para montar todo um mundo ao redor do ferrovia. Pelo menos na teoria, porque nunca tive um e só imaginava que era isso que eu gostaria de fazer. Minha diversão mesmo era pegar uns hominhos (epa!) e uma linha de pipa, levar pro matagal do meu quintal (que era maior na minha imaginação) e montar um acampamento rodeado de armadilhas a base de buracos cobertos de folhas.

    Entrando nesse lance que você comentou sobre querer gastar dinheiro em algo e não conseguir... eu sinto um pouco disso em bancas de jornal. Sempre adorei passar um tempo nas bancas, caçando revistas. Hoje parece tão difícil achar revistas que capturem a atenção de imediato e te faça gastar dinheiro sem pensar pela curiosidade de uma pauta.

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  3. As action figures (vai, hominhos, isso sim) eram mágicas! Cada nova coleção era maior e mais bonita do que a anterior. Rambo destronou He-Man, daí foi destronado pelos Galaxy Rangers. E aí acabou minha infância. Hoje, tento conseguir essas raridades por aí.
    Ótimo texto, Pablo!

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