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O que os Ramones me ensinaram sobre a vida

Posted on Tuesday, February 19, 2013

Por Pablo Miyazawa


A coreografia de palco é chocante – sim, há uma, e pode passar batida pelos menos atentos. Pra começar, é fácil perder a vista nos trejeitos e postura molenga de Joey. Ele está ali no meio simplesmente para ser visto e apreciado, então a gente não tira os olhos dele. Os dois sidekicks, se é que é justo lhes conferir tal apelido, posicionam-se paralelamente, movimentando-se em uma dança ensaiada. Ora para frente, ora para trás, em movimentos sincronizados na perfeição. É só reparar: o baixista jamais recua se o guitarrista não ordenar, e no movimento contrário a máxima se repete. A não ser quando Dee Dee, o tal baixista, se aproxima do microfone para tribalizar com Joey. É a deixa para Johnny dar dois passos a frente, esmurrar com fúria downstroke as seis cordas de sua Mosrite comida nos cantos, dar uma volta em torno de si mesmo, flexionar os joelhos e apontar a arma afiada para um inimigo invisível. Johnny jamais se permitiria apenas ficar atrás dos outros, entre a dupla de cantores e Marky, o baterista, isolado para sempre em um universo de chimbais infinitos.

Poucos notam o que de fato funciona no palco, porque foi feito para não ser percebido. É para que seja natural – no sentido de que sempre foi assim e não pode ser questionado. Com o passar dos anos, o Ramones se deu ao luxo de tocar ainda mais rápido do que já fazia em discos. Certas músicas tinham a metade da duração ao vivo, em comparação com a versão gravada. Simplesmente por que podem, ou por que não conseguiriam fazer diferente, após tantos anos regados a one two three four? Talvez jamais saberemos. A dinâmica de palco de Joey, Johnny, Dee Dee (depois C.J.) e Marky (antes dele, Tommy, e posteriormente Richie) jamais foi desvendada em nenhuma das biografias, autorizadas ou não. São poucos os registros de backstage da banda antes de subir ao palco. As imagens existentes mostram algo que já transparecia para os mais atentos: Johnny comandava a banda como um sargento raivoso, como se liderasse uma tropa suicida, porém muito bem organizada e treinada para agredir. Os Ramones se jogam feito camicazes na plateia, mas sabiam bem o que estão fazendo. Raramente falhavam, e na maioria das vezes, a culpa era do equipamento. Ou de Dee Dee, fora de si, perdido em meio às mudanças de notas em músicas mais rápidas. Uma zoeira muito bem ensaiada. Aliás, nenhum grupo de rock da história foi tão preciso e profissional – até o limite em que o rock and roll permite. 

Quem assiste a um show do Ramones sabe no mesmo instante que jamais verá outro igual na vida – a não ser que volte no dia seguinte para revê-los. É brutal, poderoso, literalmente violento e estonteante. Um espancamento movido a uma parede sonora com relances de melodia aqui e ali. É difícil não ser agredido fisicamente, por tabela ou por puro gosto masoquista. São os que mais merecem a homenagem de uma banda cover - se bem que não há banda cover que se aproxime, e talvez a ideia nem passe pela cabeça de quem se propõe (atreve) a homenageá-los. Conheço muitos fãs que jamais tiveram chance de ver o Ramones ao vivo. Gostaria de poder descrever as sensações de ser esmagado por uma parede homogênea de barulho, suor, vapor, cheiros e cores – e ficar feliz com isso. Vão me faltar letras e a memória fotográfica, mas qualquer uma das 32 músicas tocadas pelos Ramones em uma noite boa dão o recado perfeitamente. Mesmo aquelas com apenas dois minutos, três frases e quatro acordes, como “I Don't Want to Walk Around With You”.

Quando penso naquele show de quase 20 anos atrás, tento analisar o impacto que os Ramones tiveram na minha vida. Talvez seja uma tentativa saudável de dar ainda mais relevância às coisas que já são importantes (sempre esperamos nos elevar um pouco com o processo). Nunca chego a conclusão nenhuma. Mas se a vida passa voando e os Ramones nem existem mais, por que cavar tão fundo? Vou mantê-los na memória. Não quero esmigalhar o mito. Certos tesouros são mais valiosos quando permanecem nebulosos ali dentro.

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